quinta-feira, 1 de julho de 2010

Pará Histórico: Mitos e Lendas da Amazônia

http://parahistorico.blogspot.com/2009/02/mitos-e-lendas-da-amazonia.html
Prof. Leonardo Castro


É comum a confusão entre o que é mito e o que é lenda. E visto que os limites entre um e outro termo são praticamente inexistentes, procuramos uma definição adequada que estabelecesse a fronteira entre lenda e mito:

LENDA - Narração escrita ou oral, de caráter maravilhoso, no qual os fatos históricos são deformados pela imaginação popular ou pela imaginação poética.

MITO - (Mytho- gr = relato, fábula) Narrativa dos tempos fabulosos ou heróicos. Narrativas de significação simbólica, geralmente ligada à Cosmogonia e referente a deuses encarnadores das forças da natureza e (ou) de aspectos da condição humana. Representação dos fatos ou personagens reais, exageradas pela imaginação popular, pela tradição.

O mito pode ser entendido como alegorias empregadas pelos antigos para revelarem ou perpetuarem verdades e conhecimentos; expressar conceitos morais, filosóficos e religiosos; justificar princípios; servir de referência histórica e geográfica, etc. Os mitos são projeções dos fatos reais, verdadeiramente acontecidos, aos quais os primeiros cronistas buscaram registrar com suas limitadas expressões e que, com a tradição oral, foram ganhando novas cores, inflacionando-se pelo calor da narrativa e pela imaginação do narrador; até que restou apenas uma "imagem" da verdade, refletida num espelho embaciado.



As Amazonas

Tidas no princípio como fruto de uma observação mal feita pelos primeiros navegantes do Grande Rio; ou produto do delírio de um capitão espanhol; ou ainda, da ingenuidade clerical - sempre dispostos a aceitar o "absurdo" desde que viesse dos selvagens pagãos de um frei Gaspar de Carvajal ou Cristobal de Acunã; as Amazonas permanecem, ainda, quase meio milênio depois.


Amazonas, gravura de Walter Raleigh, 1601.


Etimologicamente, Amazonas significa "sem seios"; de A-Mazós, pois acreditavam os antigos que as famosas guerreiras da Cítia oblavam o seio direito para melhor manejarem o arco e flecha. Já o paraense Alfredo Ladislau dá-nos, numa terminologia nativa, um significado que é exatamente igual ao que a lenda de Heródoto difundiu: "Aquelas que não têm seios" ou no dizer dos índios Ikam-ny-abas. Já o Padre de Acunã informa que "Yacamiaba" é o nome dado ao pico que se destaca mais entre todos os outros", nas altas montanhas provavelmente do Tumucumaque - onde vivem "essas mulheres masculinizadas"; entretanto os Tapajós as conheciam por "cunhantensequina" ou "mulheres sem marido", que ao meu ver é a expressão mais adequada.



Texto e Contexto

Foi no relato de Carvajal que apareceu a lenda das mulheres guerreiras da América do Sul tropical, também chamadas Amazonas. Carvajal diz o seguinte:

“En este asiento el Capitán tomo al indio que se había tomado arriba, porque ya le entendia por um vocabulário que había fecho. (...) El Capitán le perguntó qué mujeres eran aquellas (que) habían venido a les ayudar y darnos guerra: el indio dijo que eran unas mujeres que residían la tierra adentro, y que él había estado muchas veces allí y había visto su trato y vivienda, que como su vasallo iba a llevar el tributo cuando el señor lo enviaba. El Capitán preguntó si estas mujeres eran muchas: el indio dijo que si, y que él sabía por nombre setenta pueblos, y contólos delante de los que allí estábamos, y que em algunos había estado. (...) El Capitán le preguntó si estas mujeres parían: el índio dijo que si. El Capitán le dijo que como no siendo casadas, ni residia hombre entre ellas, se empreñaban: Él dijo que estas indias participan com indios em tiempos y cuando les viene aquella gana juntan mucha copia de gente de guerra y van a dar guerra a um muy gran señor que reside y tiene su tierra junto a la destas mujeres y por fuerza los traen a sus tierras y tiene consigo aquel tiempo que se lês antoja, y después que se hacen preñada les tornan a enviar a su tierra sin les hacer outro mal; y después, cuando viene el tiempo que han de parir, que si paren hijo le matan y lê envían a su padres, y si hija, la crían com muy gran solemnidad y la imponen em las cosas de la guerra.”
(A viagem de Orellana Rio Amazonas abaixo nos anos de 1541 e 1542 e a crônica de Frei Gaspar de Carvajal. In: PAPAVERO, Nelson et. al. O Novo Éden... Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 2002. 2ª ed. pp. 85-87.)


O Pe. Cristóbal de Acuña a participar da viagem de Pedro Teixeira pelo Amazonas abaixo, em 1639, fala sobre noticias das amazonas:

“Com el dicho también de estos Tupinambás, confirmamos las largas noticias que por todo este rio traíamos de lãs afamadas Amazonas. P. 197.

(...) en que uma de las principales cosas que se aseguran, era el estar poblado de una província de mujeres guerreras, que sustentándose solas sin varones, com quienes, no más a cierto tiempos tenía cohabitación, vivian en sus publos, cultivando sus tierras, y alcanzando con el trabajo de sus manos todo lo necesario para su sustento.”
(ACUÑA, Cristóbal de. O “Nuevo descubrimiento del gran rio de lãs amazonas” do Padre Cristóbal de Acuña (1641). In: PAPAVERO, op. Cit. p. 197.)




O Boto

Reza a lenda que o boto costuma perseguir as mulheres que viajam pelos rios e inúmeros igarapés; ás vezes tenta virar a canoa em que elas se encontram, e suas investidas contra a embarcação se acentuam quando percebem que há mulheres menstruadas ou mesmo grávidas.

Ele, o boto, é o grande encantado dos rios, que transformando-se num rapaz, todo vestido de branco e portando um chapéu - que é para esconder o furo no alto da cabeça, por onde respira - percorre as vilas e povoados ribeirinhos, freqüenta as festas e seduz as moças, quase sempre engravidando-as.



Para se livrarem da "influência" do bicho, os caboclos vão buscar ajuda na magia, apelando para os curandeiros e pajés. O primeiro com suas rezas e benzeduras exorciza a vítima, e o segundo "chupa" o feto do ventre da infeliz. É esse Don Juan caboclo, o sedutor das matas, o pai de todos os filhos cuja paternidade é "desconhecida".




Iara ou Uiara, Oiara, Eiara, Igpupiara, Hipupiara


Mito baseado no modelo das sereias dos contos homéricos, a Iara é a Vênus amazônica; é uma ninfa loira de corpo deslumbrante e de beleza irresistível. Sua voz é melodiosa e seu canto, tal como no original grego, é capaz de enfeitiçar a todos que o ouvem, arrastando-os em sua direção, até o fundo do rio, lagos, igarapés, etc., onde vivem esses seres fabulosos. Na Amazônia o tapuio que escuta o cantar da Iara fica "mundiado" e é atraído por ele; o mesmo se dá com as crianças que desaparecem misteriosamente. Crêem os ribeirinhos que essas crianças estão "encantadas" no reino da "gente do fundo". Lá o menino é instruído no preparo de todos os tipos de puçangas e remédios. Ao fim de sete anos, durante os quais foi iniciado nas artes mágicas, na manipulação de plantas e ervas, etc.; o jovem pode retornar para junto dos seus, onde, geralmente, se torna um grande xamã, um medicine-man.


Na nossa cultura o mito da deidade fluvial Iara, mesclou-se com seus congêneres europeus (sereias) e africanos (Iemanjá).






Mapinguari

Esta criatura é descrita como um macaco de tamanho descomunal -5 a 6 metros – peludo como porco espinho, "só que os pêlos são de aço". Dentro dessa descrição - um grande macaco, "uma espécie de orangotango, coberto de longo e denso pelágio", etc.


Cada passo do Mapinguari mede três metros e seu alimento favorito é a cabeça das vítimas, geralmente pessoas que ele caça durante o dia, deixando para dormir à noite. Há aqueles que afirmam ser impossível matá-lo: é invulnerável. Noutra versão ele é apresentado como um ser dos mais fantásticos, com dois olhos, mas "três bocas", sendo uma debaixo de cada braço e outra sobre o coração. Essa última é considerada seu "calcanhar de Aquiles", pois quando ele abre a boca pode-se acertar seu coração, única maneira de matá-lo.





Em reportagens para a revista ISTOÉ nº 1266 e 1294 (05/01/1994 e 20/07/1994, p.35-36 e p. 44-47, respectivamente), o norte-americano David C. Oren, doutor em zoologia e especialista em biodiversidade amazônica do Museu Paraense Emílio Goeldi, derruba a lenda que o Mapinguari é um grande símio. Ele afirma a existência de um gigantesco bichopreguiça terrestre de 200 a 300 quilos e 2 metros de altura, ainda vivo nas selvas amazônicas, que ele diz ser o Mapinguari. O Dr. Oren baseia suas teorias, afirmações e pesquisas em restos fossilizados e relatos de índios e garimpeiros: “Conheci pelo menos 30 pessoas que viram o Mapinguari e mais de 100 que acharam seus rastros”.









Curupira

Na Enciclopédia Delta Larousse, curu é traduzido como sarna, e pír como pele; contudo uma tradução mais adequada apresenta curu como sendo a abreviatura de curumi, e pira significando corpo, assim temos que Curupira pode ser entendido como "aquele que tem corpo de menino", por motivos óbvios, como veremos.

Na teogonia indígena o Curupira apresenta-se como um moleque de aproximadamente sete anos, com o corpo coberto de longos pêlos e tendo os pés virados para trás. As primeiras informações foram registradas pelos portugueses, nos primeiros séculos do descobrimento, e desde aquela época é vlsto como um ente maléfico, um demônio ou um mau espírito; evidentemente que foi pintado com as tintas da paleta dos missionários, as mesmas que coloriram o Jurupari.




As informações também são as mais diversas: Ora é um duende benfazejo, ora um demônio mau; ora um gnomo ou um ogro. O ponto em que todos são unânimes é quanto sua condição de deus autóctone das selvas, um protetor.

Como protetor das florestas, castiga impiedosamente aquele que caça por prazer, que mata as fêmeas prenhes e os filhotes indefesos, mas ampara o caçador que tem na caça seu único recurso alimentar, ou que abate um animal por verdadeira necessidade.

As descrições físicas são díspares e confusas: numa o Curupira aparece de "acanga piroka" - cabeça careca -, noutra é coxo e unípede. A figura mais comum é a de um ser antropomórfico, de pequena estatura - criança ou anão - muito peludo e com os calcanhares voltados para a frente.


Como percebemos, o Curupira incorporou outros atributos e ampliou seus poderes e sua área de ação, mas permanece o caráter benfazejo e protetor. Apesar disso a versão tradicional informa que um encontro com esse duende é sempre desagradável e marcante. Um dos artifícios que os caboclos utilizam quando percebem que são vítimas do Curupíra, é fazer pequenas cruzes de madeira, fortemente amarradas com cipó timbuí, e esconder a ponta do nó. Dizem que o Curupira fica tentando desfazer o nó e se esquece do caçador, que pode então escapulir, safar-se.



Texto e Contexto

Já em 1560 o padre Anchieta registrava em suas cartas a existência do Curupira.

"É coisa sabida e pela boca de todos corre que ha certos demônios a que os Brasis chamam Curupíra, que acometem aos índios (...) e matam-nos. São testemunhas disso os nossos irmãos, que viram algumas vezes os mortos por eles.




Jurupari ou Juruparím, Jeropary, Jeropoari, Yurupari, Iurupoari, Jurupari- Pereira ou Perê

Jurupari é uma denominação Tupi para um demônio particular, mas, foi usada com exclusividade pelos missionários para designar qualquer demônio; até assumindo o lugar do diabo cristão nos trabalhos de catequese dos íncolas.

A lenda diz que Jurupari é um deus que veio do céu em busca de uma mulher perfeita para ser esposa de Coaraci, o Sol, mas, não diz se ele a encontrou e, segundo Orico, essa missão é inatingível. Jurupari foi o maior legislador que os indígenas conheceram, assemelhando-se a Quetzalcoaltl, a "Serpente Emplumada", deus reformador e legislador Maia.

Enquanto conviveu com os homens, estabeleceu uma série de normas de conduta e leis morais; instituiu a monogamia, a higiene pessoal através da depilação corporal, restituiu o poder aos homens que viviam em um regime matriarcal; promoveu modificações nos costumes e na lavoura; e especialmente deve-se-lhe as festas de colheita.

Segundo a lenda, a mãe do Jurupari era uma índia virgem chamada Ceuci, "filha de Tupã e Zuacacy", e instigada pela curiosidade foi espionar os rituais, contrariando assim a lei instituída pelo filho. Para servir de exemplo de que as leis do Jurupari não podem ser transgredidas, foi condenada à morte.




Macunaíma

Macunaíma é um misto de deus e herói lendário do extremo norte da Amazônia, alto Rio Branco, área do grupo Aruaque, e foi trazido a lume pelo grande pesquisador alemão Köch Grúnberg. Sua presença também é atestada noutros países da região, como a Venezuela. Tal como o Jurupari, este também é um enviado dos céus. Converteu troncos de madeira em gente e bichos.




Matin ou Saci (Maty-Taperê, Matinta Pereira, Maty, Çaci, Saci, Pererê, Saci Pererê, Cererê)

As informações são, também nesse mito, muito controversas. Numa, surge como "assombração" ou "visagem" que assusta as pessoas e pode até provocar-lhes a morte; noutras é uma mulher que vira passarinho assobiador; ou ainda, um duende unípede. Segundo o sobejamente citado Câmara Cascudo, Saci (h-ã-cí) significa “o que é mãe das almas", porém. Teodoro Sampaio diz que Saci (ça-ci) pode ser traduzido por "o olho doente", talvez queira dizer mau-olhado; olho gordo; olho de seca-pimenteira. etc.

Em sua Geografia dos Mitos Brasileiros, Cascudo informa-nos que foi em fins do século XVIII que se deu a aparição do Saci, "vindo do Sul, pelo Paraguai-Paraná, justamente a zona indicada como tendo sido o centro da dispersão dos Tupi-Guaranis", contudo há referências a entes semelhantes nas mais diversas regiões do planeta, provavelmente porque, como bem o percebeu o mestre potiguar, esse nosso demônio nativo corresponde ao Gremlim da América do Norte e seus similares noutros países.


O mito do "Çaci" assume diversas denominações. podendo ser SACI PERERÊ no Sul do país, KAIPORA no Centro e MATINTAPEREIRA ou MATY-TAPERÉ ao Norte. No Pará e Amazonas sua imagem é a de um curumi que anda numa única perna e tem os cabelos cor de fogo. Parece que através do sincretismo luso-africano, ele ganhou o barrete vermelho - comum em Portugal - e os traços negróides, mais o cachimbo.




Dizem que o Saci tem por companheira uma velha índia - ou uma preta velha, maltrapilha, cujo assobio arremeda seu nome: Mati-Taperé. Crêem alguns que ele é filho do Curupira; outros identificam-no como um pequeno pássaro que pula numa perna só; há também aqueles que dizem ser as mãos dele furadas no centro.


Em muitos lugarejos a existência dessa bruxa cabocla que se transforma em gato, cachorro, bota, morcego, porca, pássaro, é tida como inconteste e até encarada com normalidade.

O assobio da Matinta, atestam todos que já o ouviram, "é coisa de outro mundo"; "arrepia até a alma"; "a gente sente como se estivesse levantando do chão", etc. Dizem ainda que ao ouvir o assobio a pessoa disser: - "Vem buscar tabaco amanhã ", pode contar como certo que na manhã seguinte encontrará, à porta de sua casa, uma velha ou uma pedinte, em busca do que lhe foi prometido. Também, pode ser a primeira pessoa que aparecer na casa pedindo um inocente cigarro...



Uirapuru ou Oirapuru, Gauirapuru, Irapuru

É um deus que se transforma em pássaro e anda rodeado de outros pássaros, à guisa da corte. Quando canta, todos os outros pássaros da mata ao redor silenciam, ou querendo aprender seu canto ou em respeitosa reverência. Como diz a letra de uma velha canção: "A mata inteira fica muda ao seu cantar, tudo se cala para ouvir sua canção". O canto do Uirapuru é a própria Rapsódia Amazônica.

Os sons melódicos produzidos por essa ave são dotados de poder hipnótico, como o canto da Iara e do Cauré. Acreditam os caboclos que se o canto do Uirapuru tem o poder de atrair todos os pássaros, pode, por conseguinte, atrair também a sorte nos negócios e no amor, dai a crença nos seus poderes e propriedades talismânicas.




Muiraquitã ou Muiraquitá, Murakitã, Tuxáua-ita (Tupi), Ninací (Tucanos)

De todos os amuletos indígenas, esse parece ser um dos mais conceituados e investido de enorme poder. Pensava-se antigamente que os delicados pingentes fossem jóias orientais - provavelmente chineses -, pois eram desconhecidas na região, jazidas de Jadeíta, material onde se esculpiam os pequenos e preciosos ídolos zoomorfos.

A forma mais conhecida desses amuletos líticos é a de uma pequena rã, mas também pode ser encontrado sob a aparência de uma tartaruga ou outro bicho. Entretanto é interessante observar que o Muiraquitã está sempre zoomorficamente relacionado com a água, sendo que a rãzinha ou perereca, na crença indígena, é a causadora das chuvas; guardiã das águas pluviais.




Apesar de batraquiformes, esses amuletos se assemelham bastante com a genitália masculina, remetendo-nos novamente as propriedades fertilizantes e fecundantes das águas, e traçando um paralelo entre elas e o falo ereto.

Tais jóias funcionavam como um salvo-conduto para que os guerreiros que mantinham relações sexuais com as Amazonas, pudessem entrar e sair da aldeia delas sem serem molestados. Segundo a lenda, as famosas mulheres guerreiras mergulhavam no lago Jamundá - espelho da Lua - para apanharem as pedras verdes, que já vinham na forma do animal.




Japu ou Japuaçu

Este é um curioso mito amazônico que se apresenta similar mito do herói Prometeu. Prometeu, aquele que trouxe o fogo do Olimpo para os homens, foi condenado por Zeus a ser acorrentado a urna rocha e ter o fígado devorado por um abutre, sendo que o fígado arrancado num dia ressurgia no seguinte, perpetuando assim o tormento do prisioneiro e a missão do abutre. Esta semelhança levou Osvaldo Orico a afirmar que o Japu é "o Prometeu indígena".

A lenda tapuia diz que no principio os índios sofriam de muito frio e desconheciam o fogo; o pajé da tribo escolheu um guerreiro valente para ir ao céu em busca do precioso elemento, que era guardado pelo raio, de quem o bravo deveria roubá-lo. Para tanto, o pajé transformou o guerreiro num belo pássaro, que voou ao alto e depois de uma dura luta com o raio, conseguiu apossar-se de um pedaço de fogo, que trouxe para a terra preso ao bico. Ao voltar a forma humana, o valente índio percebeu que estava com o rosto deformado pelo fogo celeste. Não aceitando viver estigmatizado, implorou ao pajé que o transformasse novamente em pássaro, contudo o bico ficou-lhe marcado de vermelho, cor de fogo, como uma recordação da aventura.



Vitória-Régia (Iaupé-iaçanã ou Jaçanã)

É uma planta aquática que floresce e se desenvolve quando das "águas vivas" e definha quando a água é pouca. É comum nas águas pouco profundas ( cerca de 1/2 metro). Suas folhas podem atingir mais de três metros quadrados.

Esta é uma das lendas inspiradas por Perudá e nasceu do amor entre a índia Moroti e o guerreiro Pitá. A história narra, como toda história de amor que se preze, mais um caso infeliz que termina mal, parecendo que os índios já sabiam que toda novela de um grande amor tem um final infeliz.

Diz a lenda que Pitá afogou-se nas águas caudalosas de um paraná, em busca da pulseira que Moroti havia atirado. Moroti, querendo mostrar para as amigas o quanto era amada pelo guerreiro, jogou a sua pulseira ao rio desejando que, como prova de amor, Pitá a trouxesse de volta. O infeliz apaixonado atira-se ao rio e não retorna. Desesperada e arrependida, Moroti joga-se atrás do amado, tendo igual fim.


No dia seguinte, a tribo presenciou o nascimento de uma grande flor, que ao centro era branca como o nome de Moroti, e as pétalas ao redor eram vermelhas como o nome do bravo Pitá.

A Vitória-Régia, a rainha das flores da Amazônia, só abre suas pétalas à luz do sol, recolhendo-se ao cair da noite, para abrir-se novamente no dia seguinte.


Lenda do Açai

O Açaí é o fruto de uma palmeira (Euterpe Oleracea) bastante comum e abundante no Pará, onde seguramente tem o seu indigenato. No vizinho estado do Maranhão seu nome é Juçara; na Venezuela é Manaca, e Quasei, Qapoe no Suriname. Desse fruto se extrai um caldo escuro e cremoso, de cheiro e sabor característico, conhecido como vinho de açaí e que tanto pode ser servido puro, com açúcar,. com farinha de mandioca, de tapioca, ao natural ou gelado. Do vinho de açaí se obtém diversos manjares da culinária paraense, principalmente sobremesas. É o nosso correspondente a "ambrosia" dos deuses mitológicos do Olimpo.

Da palmeira do açaizeiro também se extrai outro delicioso petisco: o palmito. A derrubada desordenada dessa prodigiosa palmeira está preocupando os ecologistas e os consumidores do licoroso suco.

Segundo a lenda, uma tribo que vivia onde hoje está situada a cidade de Belém, atravessava um período negro de escassez, obrigando o cacique Itaki a decretar a morte de toda criança nascida a partir daquela data, como medida de controle demográfico da tribo.


Mas, eis que Iaçá, filha do cacique, dá a luz a uma menina. Apesar de ser neta do cacique a recém-nascida deveria ser submetida à pesada lei, debalde os rogos da infeliz e desventurada mãe.

Cumprida a setença, a pobre Iaçá chora por dias, sempre orando a Tupã para que mostre um jeito de acabar com as mortes dos inocentes. Numa noite ela ouve um choro de criança; tentando localizá-lo, descobre sua filhinha encostada numa esguia palmeira, sorrindo-lhe, mas ao abraçar a filha, esta desaparece e Iaçá vê-se atracada ao tronco da palmeira. No dia seguinte, o cacique encontra o corpo da filha abraçado ao tronco de uma palmeira, que trazia um cacho de frutinhas negras como os olhos de Iaçá. Imediatamente ordenou que esmagasse as frutas num alguidar e ao suco obtido batizou de Açai, que é o nome da filha ao contrário.




Lenda da Mandioca

Reza a lenda que a filha de um cacique apareceu grávida, sem que se soubesse como, para a tristeza do pai, que a queria casada com um bravo e ilustre guerreiro. Muito triste e decepcionado com a filha, o cacique vivia infeliz, até o dia que um homem branco lhe apareceu em sonho e lhe disse que sua filha não o havia enganado; ela continuava pura e imaculada. Isso fez voltar a alegria ao coração do índio, que se desculpou com a filha pelos maus tratos que a submetera antes.

Passado alguns meses nasceu uma linda menina, de pele muito branca, que recebeu o nome de MANI, e se tornou querida por todos da tribo, sendo a alegria de sua mãe e do velho cacique, seu avô. Porém a alegria foi de pouca duração: a criança amanheceu morta em sua rede. Em desespero a índia resolve enterrá-la à entrada da maloca, para poder ficar mais perto da filha. E todos os dias ela ia chorar sobre o túmulo da pequenina.

Suas lágrimas fizeram brotar uma planta nova e estranha a todos os índios. A mãe lacrimosa alegrou-se e começou a cuidar da plantinha, vendo ali a presença de sua amada filha, até que algum tempo depois percebeu algo saindo da terra em volta da planta. Pensando tratar-se da filha que retornava à vida, a índia cava a terra com as mãos, porém encontra umas raízes grossas que retira da terra imaginando ser o corpo da pranteada filha.

Todos se aproximaram curiosos, querendo saber que milagre era aquele. Ao retirarem a casca grossa viram que as raízes eram brancas como o corpo de Mani e deram-lhe o nome de manioca, a casa ou corpo de Mani. “Acreditando ser um milagre de Tupã, os índios comeram essas raízes e fizeram com as mesmas um vinho delicioso.”



Boiúna ou Cobra Grande

Falar das coisas da Hiléia no sentido superlativo, pode parecer exagero para o estrangeiro ou turista acidental. Contudo, a grandiosidade da Amazônia não se reflete apenas no seu gigantismo territorial, ela está presente também nos elementos da flora e da fauna, na malha hidrográfica, nas riquezas do subsolo, e mais ainda, nos mistérios da natureza, nos segredos ocultados pelos inúmeros igarapés, igapós, lagos, furos, etc. Arvores monumentais, rios cuja margem oposta não se consegue enxergar, e uma considerável gama de fatos estranhos fazem parte do cotidiano do nosso caboclo, mas que deslumbram os visitantes. É nesse palco que o mito da Cobra Grande mescla-se com o réptil, no cadinho das crendices populares.

De fato existem cobras enormes, grossas e compridas como os troncos das árvores, e quase todos que costumam viajar pela complexa teia aquática da região, bem como os ribeirinhos e moradores das matas, conhecem histórias da Cobra Grande ou já viram a "bicha" nalguma de suas aparições. Qualquer um que percorrer esses interiores poderá recolher dezenas de relatos que contam tanto do mito quanto dos ofídios monstruosos.

A Boiúna é uma corruptela de Mboi (cobra) e Una (preta), designação aplicada com mais propriedade ao mito; ao réptil é boiaçu ou boiguaçu, a sucuriju, classificada dentre as maiores cobras do mundo, juntamente com a jibóia e a sucuri. No Pantanal matogrossence a boiaçu é batizada de Anaconda.

Lendas que falam de dragões e serpentes de tamanho descomunal pertencem as mais diversas culturas e civilizações, desde tempos remotos, chegando em alguns povos a constituir motivo de adoração e base de seitas de fanáticos. O mito da cobra grande é um dos mais antigos.







Cobra Norato

Outra cobra famosa das lendas hileanas é Cobra Norato, um jovem encantado que durante a noite se desencanta e vira gente, tal como acontece com o Boto. Assumindo sua condição humana, NORATO freqüenta as festas, dança muito, namora as ribeirinhas e desaparece antes do amanhecer.

Este é um mito genuinamente paraense, se bem que jovens belos e formosos transformados em bichos lembram as histórias de príncipes encantados em sapos; de donzelas enfeitiçadas e princesas prisioneiras, dos contos europeus.

Nossa lenda diz que uma cabocla de nome Zelina deu à luz a um casal de gêmeos: Honorato e Maria Caninana, duas cobras. Jogou-as no rio onde se criaram, mas Maria Caninana vivia fazendo malvadezas até que foi morta pelo irmão, que tinha bom coração.


Sempre que assumia sua forma humana ia ele visitar sua mãe, a quem implorava que o fosse desencantar. Para que o encanto fosse quebrado, deveria chegar onde estava o corpo adormecido da serpente, por um pouco de leite na sua boca e ferir-lhe a cabeça, de forma que sangrasse. A mulher por medo nunca chegou perto do réptil, até que um soldado da guarnição da ilha de Cametá livrou o jovem da maldição.



Bibliografia

BEZERRA, Ararê Marrocos. Amazônia, lendas e mitos. Belém: EMBRAPA, 1985.

CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Brasília: INL 1 MEC, 1972.

OLIVEIRA, José Coutinho de. Folclore amazônico. Belém: Ed. São José, 1951, v. 1.

PAULA, Ana Maria T. de. Mitos e lendas da Amazônia. Belém: DEMEC1EMBRATEL; 1985.

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